quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Momento Preparo Jurídico no blog LPT - espelho de 2ª fase #08

Segue o espelho de 2ª fase nº 08, elaborado pela equipe do Preparo Jurídico - Curso para Concursos:



JUIZ THIAGO MIRA (Juiz no TRT da 9ª REGIÃO)

8) A respeito da impenhorabilidade, responda:

a) Quais os fundamentos legais e principiológicos? Existe algum na Constituição da República?

O Código de Processo Civil estabelece que para o cumprimento de suas obrigações e, por conseguinte, a satisfação do direito do credor, o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros. Contudo, determinados bens não estão sujeitos à execução, sendo, pois considerados pela lei como impenhoráveis ou inalienáveis (art. 648 CPC). Nesse sentido, verifica-se no art. 649 do CPC um rol que o legislador classificou como absolutamente impenhoráveis. Na mesma linha de restrições à penhorabilidade, estão as disposições da Lei nº 8009/90 a proteger os bens de família, assim como aqueles que guarnecem a casa.

Todavia, em que pese a existência de restrição legal com relação a penhorabilidade ou não de determinados bens do devedor, há situações em concreto em que o magistrado se vê à frente de princípios constitucionais e direitos fundamentais que devem ser levados em consideração e ponderados quando da solução dos conflitos decorrentes da relação trabalhista.

A dignidade da pessoa humana e o direito à vida tornam-se igualmente importantes e devem ser avaliados na decisão judicial, que, a seu turno, deverá conduzir a soluções mais humanizadas das relações trabalhistas.

Assim, o juiz na sua tarefa de pacificador de conflitos e alinhando-se no princípio constitucional de dignidade da pessoa humana e do direito à sobrevivência, deve encontrar um ponto de equilíbrio entre o direito do credor sem deixar à míngua o devedor, pois a responsabilidade pela obrigação de um deve corresponder à exata medida da satisfação do crédito de outro.


b) É impenhorável veículo adaptado para deficiente físico?

A Lei nº 7.853/89 e o Decreto nº 914/2000, estabelecem que as ações relativas à política nacional de integração e de apoio à pessoa com deficiência sejam pautadas em princípios e valores básicos de igualdade de tratamento e oportunidade, de justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, de modo a assegurar a plena integração da pessoa portadora de deficiência no contexto social, econômico e cultural da sociedade em que vive.

A adaptação de veículos para deficientes físicos é prática reiterada na sociedade brasileira, o que facilitou sobremaneira sua vida, que viram concretizar o direito constitucional de locomoção, consagrada na liberdade de ir e vir, corolário da dignidade da pessoa humana, até mesmo porque sabidamente a sociedade brasileira ainda não se adaptou às pessoas com deficiência, a exemplo dos acessos a locais públicos e privados, das calçadas, transportes públicos inadaptados, etc. É sabido que o art. 655 do CPC inclui o veículo de via terrestre como o primeiro bem móvel na ordem de preferência para a penhora, posicionando-se até mesmo à frente dos bens móveis em geral, aos bens imóveis, e bens supérfluos ou suntuosos como pedras preciosas, navios e aviões.

Com efeito, pretendeu o legislador, com tal providência, demonstrar que o veículo particular figura apenas como um facilitador do direito de locomoção, como meio de transporte mais confortável, contrapondo-se aos transportes de massa disponíveis à população em geral: rodoviário, ferroviário e fluvial. Portanto, na literalidade da norma, é possível, genericamente, e em tese, a penhora do veículo adaptado para a pessoa portadora de deficiência física.

Entendo, contudo, que deve o magistrado, em sua decisão, ponderar os princípios e direitos fundamentais, de modo a tornar mais humanizada sua decisão, quando, na análise do caso em concreto, se deparar, por exemplo, com uma situação em que o veículo adaptado, ainda que não utilizado para o trabalho – como instrumento do exercício profissional e fonte de renda – seja ele necessário e útil à vida do próprio deficiente físico. Quiçá, podendo ocorrer, inclusive, a circunstância fática de que aquela seja a única forma de locomoção em face de eventual recomendação médica em específico, ante o grau de deficiência apresentado ou as dificuldades decorrentes da mobilidade reduzida.

Nesses casos, entende-se que o veículo não se torna mais um meio de transporte confortável, mas sim, uma forma indispensável ao exercício do direito fundamental de ir e vir – o veículo adaptado tem utilidade para a vida, a sobrevivência daquela pessoa portadora de deficiência tornando digno seu viver.

Em tais circunstâncias, em que pese a intelecção literal da norma, não poderia o juiz assumir e se conformar com sua formação positivista, legalista e exegética na aplicação do direito, pelo contrário, na análise do caso em concreto deve afastar a literalidade da lei e, adotando uma interpretação humanística da norma, buscar outros meios de satisfação do crédito, consubstanciando a penhora em outros bens do devedor, se existentes.


c) O salário pode ser penhorado para satisfazer verbas de natureza trabalhista?
Corolário de conquistas alcançadas pelos movimentos históricos de formação dos direitos dos trabalhadores, o salário percebido pelo trabalhador tem natureza alimentar, representando não só a contrapartida da relação trabalho versus capital, mas, essencialmente, a sua própria sobrevivência e a de seus familiares.

Fundado nesse entendimento é que o legislador no inciso IV do art. 649 do CPC definiu que os vencimentos, os subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, etc., não são objetos de penhora, com o fito de satisfazer verba alimentar, à exceção do pagamento de pensão alimentícia (conforme §2º do mesmo artigo).

Com base na interpretação do §2º do artigo citado é o Enunciado 70, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, na medida em que admite, na ponderação de princípios constitucionais e afasta a vedação do inciso IV do art. 649 do CPC, sendo possível a penhora dos rendimentos do devedor, quando em voga créditos trabalhistas e pensão por morte ou invalidez decorrente de acidente de trabalho, admitindo a penhora dos rendimentos do executado em percentual que não inviabilize o seu sustento.

Todavia, o TST, na OJ 153 da SDI-2, manifestou-se de forma contrária, por entender que a penhora de salário do devedor para satisfação de crédito trabalhista, ainda que limitado a determinado percentual, viola direito líquido e certo do executado e ofende o imperativo normativo do art. 649, inciso IV do CPC que não admite interpretação extensiva, sendo a exceção prevista no §2 do mesmo artigo – possibilidade de penhora para pagamento de pensão alimentícia – uma espécie de crédito de natureza alimentícia e não gênero, como o é o crédito decorrente da relação de trabalho.

Contudo, em respeito ao entendimento à regra geral da impenhorabilidade dos salários, entendo que a análise de determinado caso concreto pode sim ilustrar situações que impõem ao magistrado uma decisão justa e equânime, em que se admitiria, excepcionalmente, como no caso de evidenciado alto salário percebido pelo devedor, sem outros bens passíveis de penhora e, de outro, execução em valor de baixa monta, o que permitiria a penhora rendimentos do executado em percentual que não torne a execução gravosa, a ponto de deixá-lo à míngua, e ao mesmo tempo garanta a satisfação do crédito do autor.



Nesse passo, alinhando-se à 3ª linha renovatória de Cappelletti e Garth, entendo possível admitir, em situações absolutamente excepcionais, a penhora de salário, pois a própria legislação, ao estabelecer que a execução deve ocorrer da forma menos gravosa ao devedor, não o exime da dívida.



d) A jurisp. tem admitido a penhora de saldo de FGTS. O que o candidato acha a respeito? Não é caso de salário diferido?

A Lei 8036/90 que dispõe sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (instituído pela Lei 5.107/66), prevê em seu art. 2º que o FGTS será constituído pelos saldos das contas vinculadas mediante depósitos regularmente realizados pelos empregadores, sendo o montante atualizado monetariamente e acrescidos de juros de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações.

Gerido pelo Ministério da Ação Social e administrado pela Caixa Econômica Federal os recursos provenientes dos depósitos em favor do FGTS são direcionados a execução de programas sociais voltados à habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana.

Embora não seja utilizado imediatamente pelo trabalhador – que poderá aproveitar-se do montante a ele reservado em conta individual somente nas hipóteses da Lei 8036/90 -, os depósitos do FGTS tem natureza de salário diferido.

Contudo, é de se a jurisprudência tem admitido a penhorabilidade do saldo do FGTS em situações excepcionais, quando necessário para a quitação de débitos de pensão alimentícia e nas hipóteses em que os valores estão investidos em aplicações financeiras. Nesse caso em específico, embora de origem alimentar, provindos de remuneração mensal percebida pelo trabalhador, perdem essa característica quando revertido em investimentos em aplicações financeiras de todo gênero, inclusive, poupança, sendo, nesses casos, passíveis de penhora.

Contudo, a meu ver, muito mais que salário diferido, o saldo de FGTS não é de proveito exclusivo do trabalhador, mas de toda a sociedade, sendo o montante dos depósitos revertidos em ações sociais e de fruição futura por toda a coletividade, de modo que não seria passível de penhora.

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